quarta-feira, 4 de março de 2020

Idade média em pleno século XXI?

Ontem comecei o dia com uma pergunta de um amigo meu. Por que o Fed (banco central americano) teria baixado os juros? Isto aconteceu em plena crise de Coronavirus, ao qual eu dedicarei outro texto. Mas a pergunta me fez pensar sobre o porque que os juros baixaram tanto nos últimos anos. Hoje temos juros negativos em alguns países do mundo. Algo que parece completamente ilógico. Para demonstrar o ridículo da situação é o equivalente a você emprestar 100 reais a uma pessoa por um ano a 1% ao mês negativo. Ou seja, você empresta 100 reais a ela hoje, daqui 30 dias você paga mais 1 real, daqui 60 dias você paga a ela mais 1 real e assim sucessivamente até completar 1 ano e ela te devolver os 100 reais. Este movimento vem aumentado signifcamente depois da crise de 2008, sobre a qual também falarei em outro momento. Mas isto faz sentido pra você?

Bom, vamos dar muitos passos atrás para refletir sobre o que pode estar motivando isto. No livro "Sapiens” de Yuval Harari, ele disserta sobre o sentido do empréstimo. Digamos que alguém tem uma padaria e vende 100 pães por dia por 1 real cada um. Seu custo total é de 50 centavos por pão, o que dá 50 reais de lucro por dia. Este lucro é exatamente o que ele precisa para suprir seus gastos mensais pessoais. Mas este padeiro entende que se ele produzisse mais pães e mais barato haveria demanda (reprimida) para tal. Então ele pensa bastante e chega a conclusão que com algum investimento ele poderia otimizar seu processo produtivo a ponto de produzir mais e mais barato. Sua estimativa é que ele produziria o dobro e pela metade do preço. Ou seja, ele poderia triplicar seus lucros (200 * (1,00 - 0,25)) = 150 reais por dia. No entanto este padeiro não tem o dinheiro necessário para o investimento, pois ele precisa de todos os 50 reais que faz hoje de lucro por dia para suprir seus gastos. Ele estima que precisaria de 1.000 reais para fazer este investimento.

Na rua de cima, mora um amigo dele que tem os 1.000 reais guardado. Ele então entra em um acordo onde o amigo dele empresta os 1.000 reais por um juros de 5% ao dia (50 reais). Então ele pega o dinheiro emprestado faz o investimento, dobra a produção e meia o custo. Agora ele lucra 100 reais ao dia (200 * (1,00 - 0,25) - 50 de juros) = 100 reais. Como ele só precisa de 50 reais para suprir seus gastos ele, sobram 50 reais por dia que ele junta por 20 dias e repaga seu amigo (50 * 20 = 1000 reais).

Esta otimização de processo feita pelo padeiro é o que chamamos de geração de valor econômico. Para entender este conceito temos que excluir a questão financeira. Se você voltar à época que o dinheiro não existia e ainda assim a equação fechar é porque foi gerado valor econômico, senão não. Vamos supor que o amigo da rua de cima não tivesse dinheiro, mas sim tempo para ajudar o amigo padeiro a fazer as adaptações necessária para otimização de processo, ou seja, ele emprestaria 1.000 reais em hora/homem. E o padeiro o repagaria 1.000 reais em pães.

Ou seja, o empréstimo está embasado na premissa que quem está pegando o dinheiro/recurso emprestado tem a capacidade de gerar valor econômico para repagar o empréstimo e ainda sobrar parte deste valor econômico gerado para ele mesmo. Esta geração de valor econômico tem se dado, principalmente a partir da idade média, por evoluções científicas que por sua vez tem advindo em grande parte do avanço da ciência.

E na idade média? Pois bem, como sabemos tivemos no ocidente uma dominação da Igreja católica que suprimiu a ciência e com ela o avanço tecnológico. Por isto, na idade média praticamente não haviam empréstimos, pois não havia aumento de valor econômico. Da própria bíblia: “É mais fácil um camelo passar por um buraco de uma agulha do que um rico adentrar o reino dos céus.” Particularmente tenho uma outra interpretação desta frase que posso endereçar outro dia, mas Yuval defende uma versão contextualizada na idade média que faz sentido também. Se não há geração de valor econômico, se a torta não cresce, só há uma maneira de você ter mais torta, é pegando o pedaço de alguém. Nada cristão.

Do estudo de macro economia sabemos que a política monetária que rege o nível de juros ao qual os títulos soberanos de crédito de uma nação serão disponibilizados são contra-cíclicos ao aquecimento da economia, ou seja, economia mais (menos) aquecida = juros mais altos (baixos). Isto é assim para que a economia cresça em ritmo sustentável para evitar a inflação por exemplo, que seria o aumento de preços sem aumento de valor econômico causando um caos financeiro como vivemos no Brasil na segunda metade do século passado. Estes juros definidos pelos bancos centrais reverberam pelo sistema financeiro aumentando ou diminuindo o custo do dinheiro para as empresas e o cidadão comum.

Portanto a diminuição dos juros mundiais a patamares nunca antes vistos são um claro descrédito ao que a polêmica Greta chamou de “conto de fadas de eterno crescimento econômico”. Isto tudo não faria o menor sentido pois neste mesmo contexto histórico que vivemos a ciência nunca foi tão evoluída e os avanços tecnológicos nunca foram tão disruptivos.

Como fechamos esta equação? Boa pergunta, próxima pergunta. Brincadeira… Esta é a pergunta, e aqui vai minha reflexão. Esta semana estava participando de uma aula onde o professor citava como um erro seu não ter apoiado o investimento no Facebook quando este passou pela empresa na qual ele trabalhava, pois ele não acreditava que alguém iria se interessar pelo que ele estava almoçando. No entanto até o momento que vos escrevo o Facebook está entre os 10 maiores IPOs da história (Initial Public Offering, quando uma empresa abre seu capital na bolsa de valores). Ele parece não ter superado esta decisão até hoje. Ele estava errado? Financeiramente olhando no retrovisor ele não poderia estar mais errado, um erro de bilhões e bilhões de dólares. 

Existem diversas abordagens sobre como se investir, análises técnicas (baseadas no passado), análises fundamentalistas (projetando o futuro) e muitas outras. Mas basicamente o que todos estão tentando fazer é comprar barato e/ou vender caro. Sendo que barato seria algo cujo preço está abaixo do valor e caro algo cujo preço está acima do valor. A questão é que o preço não tem a relação com valor que imaginamos que deveria ter (falarei outro dia disto). Ou seja, se percebemos que algo que não tem um alto valor e seu o preço está muito abaixo deste valor, se nós comprássemos, com o tempo o valor daquilo se tornaria evidente a todos, seu preço subiria e ganharíamos dinheiro, certo? Errado. Devido as irracionalidades que o estudo de Economia Comportamental nos demonstra, para ganhar dinheiro escolhendo ativos que estariam desvalorizados na sua visão, não adianta estar certo sobre o valor de um ativo, você tem que adivinhar como os outros estarão errados no futuro sobre este mesmo ativo. 

Pois bem, hoje estamos em meio a diversos estudos de como o Facebook (representando aqui diversas mídias sociais) está relacionado à infelicidade, ao aumento da ansiedade e depressão e à diminuição da produtividade. Então esta empresa estaria destruindo valor econômico e não aumentando, certo? Se você fosse o amigo do padeiro e tivesse entre investir o seu tempo em disponibilizar mais pão, mais barato ou algo que traz infelicidade às pessoas o que você escolheria? Ainda assim as ações subiram deste o IPO e as pessoas seguem mais infelizes, deprimidas, ansiosas e improdutivas.

Nem vou entrar no mérito da venda de informações privadas para interesses particulares, pois já sinto o ódio dos odiadores, mas #ProntoFalei (sim é irônico). E antes de ser linchado em praça pública, ressalto que desde o conceito inicial de quem está almoçando o que, eles agregaram outras coisas que sim geram valor econômico, como Market Place (“classificados”), sistemas de identificação, dentre outros… Mas o preço da ação está refletindo esta mudança, a maneira espúria que usam as informações de forma lucrativa ou uma contínua irracionalidade?

Rodrigo, você não estaria digredindo? Não, só quis exemplificar o que entendo que fecha a equação. Não é mais a ausência de avanços tecnológicos que ameaça nosso crescimento econômico e sim a destinação dos recursos gerados para algo que não gera valor econômico a longo prazo. Quem viver verá se este papo “chato” de “bixo grilo” sobre sustentabilidade irá refletir sobre o preço dos ativos quando nossos netos tiverem nossa idade.